PREFÁCIO DO LIVRO: NÃO IMPORTA A PERGUNTA,A RESPOSTA É O AMOR

junho 07, 2016

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Escrever um prefácio de um livro é uma atitude e uma tarefa que me causa uma alegria sem tamanho! Trata-se de conhecer uma obra em sua versão primeira, cheia de sonhos, antes de ser mostrada ao mundo. Geralmente sou convidado a escrever apresentações e prefácios a trabalhos realizados por pessoas próximas a mim, à minha linha de pesquisa, aos meus estudos, ao meu universo acadêmico. Fico sempre muito feliz com a distinção que me conferem, sinto-me honrado em poder proceder assim e lograr participar desse singular momento de produção, de socialização de um texto, de uma obra, que sempre é a realização de um sonho, de uma intencionalidade afetiva – o que é de fato o substrato de todo escritor -, bem como de toda obra escrita. Escrever é entregar-se ao mundo, é revelar-se às pessoas, à sociedade, é deixar uma trilha de pistas sobre o que se ama, sobre o que você pensa e acredita, sobre a vida, a história, o mundo, a arte, enfim, o amor, o sofrimento, a cultura, entre tantas outras dimensões. Sempre considero corajoso quem escreve e quem entrega o que escreve ao conjunto da sociedade, numa obra sempre reveladora de seu autor, ou de seus autores ou protagonistas, de seus passos e descompassos, de suas intenções e propósitos.
Recebi o convite de Leonardo Gontijo para prefaciar o seu lindo e amoroso livro, aqui destacado, sobre a trajetória dele e de seu irmão Dudu do Cavaco, que é o nome artístico de Eduardo Gontijo, hoje com 24 anos, que brilha em tantos e diversos lugares deste nosso imenso Brasil, seja com sua música, com sua alegria, seja ainda mais com sua presença marcante, iluminada por sua alegria plena e dadivosa, e por sua inalienável e impressionante originalidade e identidade na expressão inovadora da condição ontológica de ser uma pessoa, linda e única, com Síndrome de Down. Eduardo ou Dudu reinventa a identidade social e cultural da pessoa com Síndrome de Down.
Fui lendo os relatos e apreciando as fotos, os liames poéticos e as interpretações que Leonardo Gontijo faz dessa vida “madura e adulta” de seu irmão Eduardo. Se o primeiro livro escrito por Leonardo, um sucesso esplendoroso, retratava a infância e a aprendizagem da convivência entre irmãos, este segundo livro completa a narração, com a histórica análise e o generoso registro de Leonardo dos passos e descobertas novas de seu irmão-artista, seja pelos espaços públicos e particulares, por universidades e estádios, escolas e praças públicas, ou ainda por hospitais e meios de comunicação de massa, todos admirados da originalidade, vitalidade, ternura e esperança que brotam dos dedos de Dudu do cavaco, que jorram de seus olhos, de seu sorriso franco e de sua alma vibrante, integrada à sua inteligência e sensibilidade singulares. Não me contive, em muitos lugares e trechos, descritos e narrados, emocionei-me, noutros fiquei encantado e enaltecido, com a perene e perseverante linha que Leonardo empreendeu no texto como um todo, a alinhavar as palavras e episódios com o tear do amor e da dedicação por seu irmão. Esta é a urdidura estrutural do livro: o amor de Leonardo Gontijo por seu irmão, por seu crescimento, sua autonomia, suas descobertas, seus amores, suas conquistas e sua originalidade. O amor é que narra tudo, sem medos e sem falsidades, na brilhante carreira recente, social, musical e cultural, empreendida por Dudu em todos os universos já indicados.
Ao mesmo tempo, o testemunho de Leonardo Gontijo sobre a vida exuberante de Eduardo ou Dudu do Cavaco é uma prova cabal da potencialidade, da riqueza e da extraordinária condição das pessoas com Síndrome de Down. Suas conquistas e suas ações demonstram a beleza da diversidade humana e a profunda superação que temos que produzir em nossa cultura e sociedade para erradicar o preconceito e a discriminação, de toda sorte! O autor demonstra, pelos relatos e pelas expressões de seu irmão, amiúde guardadas e registradas, como o Mano Down, o Dudu do Cavaco, assim como todas as crianças com Síndrome de Down, são plenamente capazes, sensíveis, criativas, amorosas. A diferença ou a especialidade da Síndrome de Down é hoje a marca da diversidade e da beleza e não mais o estigma do preconceito e da exclusão.
Não é um livro acadêmico, no estrito sentido da palavra, e não é igualmente um livro de ufanismos, somente! É um texto cheio de esperanças, de posições reflexivas, de opiniões ponderadas, de conceitos e impressões destacadas por Leonardo na condução e na comunhão diária com seu irmão, sua carreira, suas lutas e suas infinitas realizações. Leonardo expõe suas ideias, revela suas crenças e expressa suas esperanças. Dudu está presente na cidadania política, no universo cultural, junto aos artistas, educadores, crianças, junto a outras pessoas com Síndrome de Down, Dudu está na vida, no mundo, na praça, na alegria de viver! Esta é para mim a maior lição desse texto: um hino de afirmação do amor, um libelo pela capacidade de todos em superar-se sempre!
Eu recomendo a todos os pais, educadores, gestores, professores, estudantes, pesquisadores, enfim, a todas as pessoas que sabem nutrir esperanças de amor. A condição humana é sempre surpreendente e inovadora. Cada pessoa marca a história de nossa marcha histórica e cultural, e abre horizontes infindáveis de possibilidades e de originais emancipações. Dudu é um desses esticadores de horizontes, com seu irmão Leonardo Gontijo, que apontam juntos na direção de um mundo superando as dominações, protagonizado por novos sujeitos sociais e marcado por práticas de acolhimento e de humanização, universais e singulares.
Este livro é um convite. A reafirmar a fé na vida, na condição humana, na marcha libertadora da sociedade civil e da cultura brasileira recente. A sua leitura transforma a nossa alma, muda nossos olhares sobre a pessoa com Síndrome de Down, altera nossos rótulos esmaecidos pelo tempo. Do cavaco de Dudu, das palavras e orações de Leonardo se ergue um monumento de amor ao mundo, ao bem, ao irmão, à grandeza da existência de cada pessoa neste mundo. Estou muito realizado e feliz por fazer esse prefácio: quem quiser amar, que siga as páginas, os capítulos e as palavras que se seguem. Valerá mais que a pena, valerá o testemunho da verdade, de que o amor cura, de que a palavra orienta, de que a vida é muito mais do que sabemos ou pensamos sobre ela!

Campinas, outono de 2015
Professor Doutor César Nunes
Professor Titular de Filosofia e Educação da UNICAMP.
Endereço: (cnunes@unicamp.br)

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All comments (2)
  • Élvis
    junho 08, 2020 at 20:17

    Que bonito depoimento, cheguei nessa página justamente para saber como me inspirar para fazer um prefácio. Obrigado !!

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    • Bruna Moreira
      @Élvis
      junho 17, 2020 at 08:59

      Ficamos felizes com o seu retorno!!

      Reply

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